Vale a pena ouvir de novo
Severino (Paralamas do Sucesso, 1994)
És tu Brasil, ó pátria amada, idolatrada
Por quem tem acesso fácil a todos os teus bens
Enquanto o resto se agarra no rosário, e sofre e reza
À espera de um Deus que não vem(O Rio Severino – Herbert Viana)
O Brasil da abertura enfrentava mudanças profundas. O governo civil-militar sequestrou o poder político de um país que caminhava para reformas sociais, projetos de construções mais coletivistas e preocupados em alguma medida com justiça social. Na base da porrada, suprimiu esse Brasil e entregou de volta ao povo, vinte anos depois, um Estado falido e uma sociedade cada vez mais integrada à ideologia dos projetos individuais de vida e economia neoliberal.
Eis que, no ano de 1994, Os Paralamas do Sucesso lançam o incrível disco “Severino”, seu sétimo álbum de estúdio. O impacto grandioso que a obra conseguiu na Argentina foi tão significativo quanto o tamanho do fracasso de público no Brasil. Até hoje “Severino” é conhecido injustamente como um disco difícil, preço que paga pela sua ousadia.
O mergulho do álbum no Brasil profundo resulta em letras diretas, secas, duras. Ainda que abstratas, com referências claras à poesia de Waly Salomão. Com uma carga de crítica e denúncia social que à sociedade jovem do país não interessava mais. A parte gráfica do disco é toda inspirada na obra do artista plástico Arthur Bispo do Rosário. As inspirações no poeta João Cabral de Mello Neto e nas populações ribeirinhas do Rio São Francisco completam o tom sertanejo da discussão pretendida pelos Paralamas.
Mas o disco também tem muita diversidade, digno de uma banda que ficou conhecida pela falta de pudor em misturar ritmos diversos. Para cantar os infortúnios antropológicos dos retirantes, proletários e demais severinos marcados por uma nação fundamentada na desigualdade e na escravidão, os Paralamas partem de ritmos mais rústicos da viola de repente e do baião e os combinam com o blues, o jazz, o rock, a bossa e o funk.
Os convidados de peso são o retrato dessa proposta. Destaque para as faixas “Músico”, com letra de Tom Zé, e “El Vampiro Bajo el Sol”, musicada pelo argentino Fito Páez e que conta com a guitarra do incrível Brian May, do Queen.
“Severino” é, em suma, um puta disco: tem som de primeira linha, letras bem sacadas e certeiras e, como todo bom disco dos anos 90 que se preze, duas ou três faixas em espanhol. Vale a pena ouvir de novo.
Lista de Faixas:
- 1. Não Me Estrague o Dia
- 2. Navegar Impreciso
- 3. Varal
- 4. Réquiem do Pequeno
- 5. Vamo Batê Lata
- 6. El Vampiro Bajo el Sol
- 7. Músico
- 8. Dos Margaritas
- 9. O Rio Severino
- 10. Cagaço
- 11. O Amor Dorme
- 12. Go Back
- 13. Casi un Segundo (Quase Um Segundo)